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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A sombra do macabro

Fui ousado em ações e escolhas. Em meio à horrenda tempestade e miséria me fiz guerreiro, ocultando minha alma no abismo de minha mente, para ninguém alcança-la.
 Minto se digo que sempre fui homem de bem, não fui, eu errei. Errei desgraçadamente e me converti em desordem. Aceitei o caos em minha vida e travei todas as batalhas na escuridão da noite.
 Eu era um maldito andarilho quando ouvi noticias sobre um homem que comia corações e pagava bem por eles. O dinheiro era bom e achei justo alimenta-lo.
 Que desgraça a minha! Foi assim que comecei o meu legado, alimentando malditos como aquele. O primeiro coração arrancado foi de um amigo meu, também andarilho. Ele confiava em mim, bebemos juntos e ele dormiu na certeza que viveria o dia seguinte para fazer suas coisas inúteis. Não viveu, acordou com uma faca lhe retalhando o peito e arregalou os olhos me amaldiçoando por tê-lo privado da vida.
 Dizem que o medo é a pior das situações. A mim ele não incomoda, eu vi os olhos da morte e bebi com ela em uma pocilga, ela me sorriu, me alisou rosto com seus dedos ossudos e disse que eu tinha futuro.
 Quando arranquei o coração do meu amigo e o vendi ao faminto, ele logo tratou de pedir por mais e me indicou para sua corja. Me tornei um traidor, matava mendigos para vender seus corações. Meus antigos amigos andarilhos eram atraídos para o conforto do meu novo lar, onde eu usufruía de riquezas graças a eles.
 Mas logo eles se acabaram. Eu tinha criaturas insaciáveis para alimentar e uma pilha de corpos enterrados em meu quintal.
 Sete distintas pessoas, todas membros ativos da sociedade, atuando em cargos públicos e religiões. Todos malditos, apreciadores dos corações que eu vendia.
 Acordei com o diabo soprando incomodo em meus ouvidos... Percebi que o inferno também queria ser alimentado pelas almas que eu mandava para lá e me atrevi.
 Me vendo ameaçado pelos comedores de corações, tomei uma atitude grotesca. Alimentaria os cães com partes deles mesmo!
 O primeiro foi um padre que comungava sobre a libertação. Depois da missa, entrei na igreja e lhe confessei meus pecados. Ele era o menos faminto deles, no entanto, o que tinha o coração mais doce. Um a menos. Foi atirado aos lobos.
 O segundo foi o secretario de um vereador. Café pequeno, você diria. Não era. Estava envolvido em uma máfia hospitalar, comprava sangue vindo de doadores para alimentar seu lado negro. Também tinha um doce coração, serviu de bom grado aos amigos profanos.
 Um deputado estadual, um paraplégico, uma socialite, um dono de supermercado... O penúltimo coração foi servido na bandeira ao líder deles, o general Valadares. Valadares era um militar aposentado, o homem sujo que os ensinou a apreciar a maldita iguaria. Ele comeu cru o coração do dono de supermercado. Com a boca lambuzada de sangue grosso, me encheu de dinheiro. Joguei as notas graúdas no chão, saquei minha faca e lhe perguntei se estava pronto para experimentar uma coisa nova.
 O maldito sorriu em resposta. De súbito minha faca rasgou sua garganta e ele tombou, vomitando em meio ao sangue tudo que comeu.
 Como fiz com todos, arranquei seu coração e o levantei ao alto, como se faz com um recém-nascido.
 Me vi então prisioneiro das trevas, com um coração na mão, sem ter a quem servir. Olhei para os lados e achei desperdício jogar fora aquele órgão tão farto e fresco.
 Eu o devorei... Devorei em minutos e descobri ali o prazer que aquela raça sentia. Sorri nefasto, livre de minhas trevas, porem, escravo daquele estranho prazer. Estava liberto e insaciável, disposto a alimentar uma única e grotesca criatura: Eu mesmo.

Fonte: http://www.recantodasletras.com.br

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